Ruth e Victor Nussenzweig, da Universidade de Nova York, anunciam intenção de voltar a trabalhar na USP depois de mais de 40 anos fora do país (Foto: Miguel Boyayan)
Agência FAPESP – As descobertas realizadas nos últimos 40 anos por Ruth e Victor Nussenzweig, da Universidade de Nova York (NYU), nos Estados Unidos, foram fundamentais para metade das vacinas testadas até hoje em humanos contra o parasita da malária.
Durante o seminário “Vacina contra a malária: histórico, estado atual e perspectivas”, realizado nesta quinta-feira (25/6) na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), o casal, radicado nos Estados Unidos desde 1963, anunciou que pretende retornar ao Brasil em breve.
Ruth e Victor disseram querer trabalhar em pesquisas sobre a vacina antimalárica na própria FMUSP, onde ambos se formaram no início da década de 1950.
Segundo Victor, que é chefe da divisão de Imunologia Michael Heidelberger da NYU, a vacina RTSS, desenvolvida por sua equipe, está em estágio de testes clínicos de larga escala em diversas regiões da África.
“A vacina já está em fase 3 [última] de experimentação, envolvendo entre 15 mil e 20 mil pessoas. Nos últimos 20 anos foram testados os princípios e feitos muitos ensaios clínicos em humanos. A vacina se mostrou capaz de proteger de 30% a 50% das pessoas depois de três injeções”, disse o pesquisador à Agência FAPESP.
Segundo ele, se os resultados nos testes na África forem semelhantes aos obtidos até agora, a vacina será aprovada e poderá começar a ser produzida entre 2010 e 2011. “Acredito que os resultados serão positivos. Com isso, a RTSS será não apenas a primeira vacina contra a malária no mundo, mas a primeira vacina antiparasitária aplicada em seres humanos”, destacou.
Nussenzweig ressalta, no entanto, que a vacina não é perfeita. “Para isso, a eficiência teria que ser maior que 50%, a proteção deveria ocorrer com a aplicação de uma única dose e o preço deveria ser menor. Mas se trata de um princípio importante e as pesquisas vão continuar. Além disso, a vacina será uma proteção complementar a outras medidas preventivas contra a malária, como o combate ao mosquito e a administração de medicamentos”, disse. O efeito da vacina dura de um a dois anos.
Para melhorar a vacina, será preciso buscar outros antígenos protetores e, para prolongar a duração e a eficácia do produto, descobrir outros vetores da proteína CS, que é a base da vacina.
Na década de 1980, o casal Nussenzweig mostrou que a proteína CS, que recobre o parasita da malária, poderia ser usada para promover uma resposta imunológica contra a doença e, assim, dar alguma proteção contra a infecção. A partir daí, a proteína estudada pelo casal se tornou um componente fundamental de metade das vacinas que foram e vêm sendo testadas em humanos contra o parasita – incluindo a RTSS.
Antes, em 1967, Ruth foi a primeira a demonstrar que era possível imunizar roedores contra a doença por meio da irradiação dos esporozoítos, um dos estágios de vida dos parasitas que causam a malária, do gênero Plasmodium.
Hoje, há grupos estudando vacinas que agem contra a transmissão da malária, linha de pesquisas que está em estágio de ensaios com animais, segundo Nussenzweig. Outros grupos estudam vacinas em outras fases do ciclo do parasita, como quando ele se instala no fígado humano.
“Gostaria de ver mais esforços para uma vacina contra o Plasmodium vivax, que seria importante não apenas para o Brasil, mas para o mundo todo. É isso que esperamos estudar aqui”, disse.
Disseminação do parasita
Durante o seminário na FMUSP, o epidemiologista Luiz Hildebrando Pereira da Silva, do Instituto Pasteur, apontou que o Brasil poderá ter, em breve, um aumento da incidência da malária em regiões onde estão sendo construídas usinas hidrelétricas e estradas.
“O mosquito Anopheles, vetor da malária que carrega o parasita, não existe na floresta, mas apenas próximo às aglomerações humanas. Essas construções trazem depósitos de água artificiais e trabalhadores de fora, que não são imunes à doença como os moradores dessas regiões. Isso cria condições para a disseminação do parasita”, explicou.
Segundo Hildebrando, em regiões ribeirinhas há pessoas imunes à malária, devido ao contato prolongado e repetido com o parasita, mas que são portadores do plasmódio.
Por isso, infectam o mosquito, que levam a doença para os trabalhadores ou pescadores que chegam depois à região, mas não moram ali.
O cientista destaca que a construção da hidrelétrica de Santo Antônio, no Rio Madeira, próxima a Porto Velho (RO), é um exemplo de local onde deverá haver uma situação crítica, já que se espera a chegada de cerca de 20 mil trabalhadores de outras regiões que, portanto, não têm imunidade.
“Constatamos que a incidência de picadas do Anopheles nessa região é de 40 por hora em cada pessoa, à noite. Essa característica torna os trabalhadores do período noturno altamente vulneráveis à doença”, afirmou.
Nenhum comentário:
Postar um comentário