A glutationa tem funções importantes
no organismo, tais como: manter o normal funcionamento do sistema imune,
ser antioxidante e “scavenger” de radicais livres, reguladora
de outros antioxidantes e ser um agente destoxicante [8.]. GSH tem também
um importante papel em outros processos biológicos como na reparação
de proteínas, na reparação lipídica, no transporte
transmembranar e muitos outros[5.].
Figura 5 Funções celulares ligadas ao poder redutor da glutationa
Proporciona o normal funcionamento do sistema imune
Tal como os outros tipos de células, a proliferação,
o crescimento e a diferenciação de células do sistema
imune são dependentes dos níveis de glutationa. A presença
da glutationa é requerida para manter o normal funcionamento do
sistema imune. Isto deve-se ao facto de ter um papel crítico na
multiplicação de linfócitos T e B – as células
que medeiam a imunidade específica – que ocorre no desenvolvimento
de uma resposta imune eficaz e na produção de anticorpos.
Além disso, as células do sistema imune produzem vários
radicais de oxigénio como resultado do seu normal funcionamento,
o que leva a que estas células necessitem de antioxidantes em concentrações
maiores que a maioria das outras células.
A glutationa tem um papel crucial como antioxidante nas células
do sistema imune [8.]. Outras funções da glutationa no sistema
imune são: optimizar funções dos macrófagos
e estabilizar a membrana mitocondrial, reduzindo a apoptose nos linfócitos
[2.]. Existem estudos que indicam que tanto a GSH como a GSSG induzem
um aumento na locomoção dos neutrófilos, tão
importante nos processos de fagocitose [9.].
Actua como antioxidante e “scavenger” de radicais livres
A glutationa, devido às suas propriedades antioxidantes, tem um
papel importante na protecção contra efeitos danificantes
de bactérias, vírus (GSH tem propriedades anti – patogénicos
pois se os níveis de glutationa nos tecidos ou no soro são
suficientemente elevados, a replicação da maioria dos patogénicos
é diminuída ou mesmo atenuada), poluentes e radicais livres
[8.]. Este efeito deve-se ao facto de GSH apresentar uma potente capacidade
em doar electrões (forte redutor), o que é evidenciado pelo
elevado potencial redox negativo do par redox GSH/GSSH (E’0 = -0.33
V). O grupo sulfidrilo existente no resíduo cisteina da glutationa
é o responsável pela sua capacidade redutora. Esta forte
capacidade redutora é mais visível nos locais onde a concentração
de GSH é mais elevada (como no fígado).
O poder redutor da glutationa é uma medida do “scavenging”
de radicais livres. O sistema antioxidante de defesa é um sistema
sofisticado e adaptativo e GSH é um constituinte central deste
sistema. Em nenhum lugar a sua presença é mais importante
que na mitocôndria. Nas mitocôndrias de células aeróbias
existe um fluxo constante de radicais livres de oxigénio gerado
por processos que utilizam o oxigénio para sintetizar ATP. Estes
processos ocorrem através de um complexo sistema enzimático
e são designados por fosforilação oxidativa (OxPhos).
Os substratos da OxPhos, ao serem processados na mitocôndria, vão
libertar electrões que escapam ao complexo OxPhos para reagir com
o oxigénio e gerar radicais livres de oxigénio. Estes radicais
livres de oxigénio despendem energia e constituem um risco potencialmente
tóxico para o organismo. O fluxo contínuo de electrões
para o oxigénio gera um stress oxidativo endógeno nos tecidos
humanos.
Radicais livres de oxigénio como o superóxido, peróxido,
hidroxilo, são extremamente reactivos e consequentemente são
uma ameaça para a integridade de biomoléculas essenciais
como o DNA e o RNA, enzimas e outras proteínas e os próprios
fosfolípidos responsáveis pela integridade das membranas.
A célula aeróbia está continuamente a neutralizar
estes radicais de oxigénio, antes que se iniciem reacções
em cadeia de propagação de radicais livres, através
de antioxidantes. A Tabela 1 apresenta as reacções de desactivação
de radicais livres pela GSH [5.].
Tabela 1 Reacções de desactivação de radicais
livres pela GSH
Como antioxidante, GSH atrasa o cansaço muscular induzido por
radicais de oxigénio formados durante a fase aeróbia da
contracção do músculo por cansaço muscular
ou fraca performance [2.].
Regula a actividade de outros antioxidantes
Devido ainda ao significante poder redutor da glutationa, esta contribui
para a reciclagem de outros antioxidantes que outrora houveram sido oxidados.
Esta é a base pela qual GSH ajuda a conservar antioxidantes como
o - tocoferol
(vitamina E), a vitamina C e os carotenóides [5.].
Actua como agente destoxicante
Relacionado com o facto do ambiente que nos rodeia estar a tornar-se
cada vez mais poluído, são necessários ao nosso organismo
destoxicantes – as fontes de comida e água encontram-se contaminadas
com produtos químicos – e uma das nossas maiores defesas
contra estes compostos químicos estranhos (carcinogéneos,
metabolitos prejudiciais...) é a glutationa. Esta actua como destoxicante
ao combinar-se com substâncias indesejáveis, tornando-as
mais facilmente eliminadas pela urina e pela bile [8.].
Normalmente, GSH é abundante no interior das células (atingindo
concentrações na ordem dos mM), encontrando-se relativamente
em falta no exterior das células. Uma excepção é
a elevada concentração de GSH nas mais baixas regiões
dos pulmões, ajudando na neutralização de toxinas
inaladas (por exemplo, as provenientes do fumo de um cigarro) e de radicais
livres produzidos por fagócitos activados dos pulmões. Portanto,
GSH deve ser especialmente importante para aqueles órgãos
que se encontram mais directamente expostos a toxinas exógenas,
como os pulmões, intestino, rins e particularmente o fígado
[5.].
O fígado é o órgão mais envolvido na destoxicação
de xenobióticos e também é o local de maior reserva
de GSH (exportando GSH para outros órgãos). A glutationa
atinge a sua maior concentração intracelular nas células
parenquimatosas (cerca de 10 mM) do fígado saudável. Os
hepatócitos são as células mais especializadas na
síntese de GSH a partir dos seus percursores, na reciclagem de
GSH a partir de GSSG, tal como na utilização de GSH contra
potenciais agentes tóxicos. A conjugação com GSH
ocorre em mais de 60 % de todos os metabolitos hepáticos encontrados
na bile. Mas, embora sejam inquestionáveis os benefícios
da conjugação GSH, existem diversas classes de xenobióticos
que induzem ou geram conjugados GSH que são potencialmente mais
tóxicos que o tóxico que lhe deu origem [5.].
A glutationa é essencial no metabolismo de xenobióticos
como dadora de grupos sulfidrilo que são essenciais para a destoxicação
de alguns destes agentes, sendo importante na destoxicação
de agentes provenientes da exaustão de combustível, do fumo
do cigarro, de carcinogéneos, de venenos e de muitos outros poluentes.
Ela retarda também os danos causados pela radiação
U.V., cada vez mais perigosa devido à perda da camada de ozono
progressiva [2.].
A propriedade destoxicante da glutationa deve-se ao facto desta se conjugar
não enzimaticamente com determinados xenobióticos mas também
por funcionar como cofactor para as enzimas GSH transferases ou GSTs (são
componentes celulares abundantes, encontrando-se numa fracção
superior a 10% do total de proteínas celulares) (Saber
Mais). Um exemplo disto é o facto de se verificar resistência
a xenobióticos quando há “over” expressão
destas enzimas (por exemplo a resistência ao insecticida DDT pelos
insectos e a resistência à quimioterapia por células
cancerígenas). Estas são enzimas existentes na maioria dos
tecidos, em elevadas concentrações a nível do fígado,
rins, intestino, testículos, glândulas adrenais e pulmão
e estão localizadas a nível do citoplasma (em percentagem
superior a 95%) e do retículo endoplasmático (em percentagem
inferior a 5%) [10., pág. 213].
Vários substratos das GSTs são indutores destas enzimas
tal como alguns “não substratos” (como o peróxido
de hidrogénio e outras espécies reactivas do oxigénio).
A indução é associada com o aumento dos níveis
de mRNA devido à activação transcripcional do gene
que codifica uma determinada subunidade da GST. Nem todas as subunidades
são induzidas com a mesma extensão. Um exemplo da indução
da GST é aquela provocada pelo agente sulforano, que se pensa ser
o responsável pelos efeitos anti-cancerígenos dos brócolos
[10., pág. 216-217].
As GSTs apresentam uma especificidade relativamente alta para os seu
substratos mas uma especificidade absoluta para a GSH (cofactor dador
de electrões). A Tabela 2 apresenta alguns dos principais substratos
das GSTs [5.]. A conjugação de certos xenobióticos
com a glutationa é catalisada ou por várias classes da glutationa-S-transferase
(por exemplo, as classes
e
da GST humana catalisam a conjugação da glutationa com 1-cloro-2,4-dinitrobenzeno)
ou por apenas uma classe (por exemplo, a classe
perferencialmente isomeriza esteróides
a e reduz
o linolato e o cumeno hidroperoxido aos seus álcoois correspondentes)
[10., pág. 216].
Tabela 2 Substratos das GSTs
O mecanismo destoxicante destas enzimas envolve um ataque nucleofílico,
por parte da glutationa, num substrato electrofílico - que normalmente
é potencialmente tóxico por ter a capacidade de se ligar
a agentes nucleofilicos importantes como proteínas e ácidos
nucleicos, causando danos celulares e mutações genéticas.
A libertação da célula de glutationa-S-conjugados
é um processo dependente de ATP mediado por glicoproteínas
membranares pertencentes à família MRP (mutidrug-resistance
protein). As proteínas da família MRP são essenciais
no transporte de glutationa-S-conjugados para o espaço extracelular
[1.].
Todas as enzimas envolvidas na biotransformação de xenobióticos
apresentam um potencial em gerar intermediários reactivos, sendo
que a maioria destes sofre destoxicação, em alguma extensão,
pela conjugação com a glutationa. Existem outras enzimas
com importante função na destoxicação e que
apresentam como cofactor a GSH. Por exemplo, a GSH é um cofactor
essencial para enzimas antioxidantes como as GSH peroxidases (que são
enzimas selénio – dependentes ou selénio – independentes)
e as hidroperoxido fosfolípido GSH peroxidases. As primeiras participam
na destoxicação de peróxidos (peróxido de
hidrogénio e outros) em fase aquosa, fazendo-os reagir com a GSH;
as últimas usam a GSH na destoxicação de peróxidos
gerados nas membranas celulares ou noutras fases lipofílicas participando
na protecção das células contra a peroxidação
lipídica (Figura 6.) [5.].
Figura 6 Reacções de oxidação-redução
que envolvem a glutationas
Enzimas designadas colectivamente por GSH transhidrogenases usam também
a GSH como cofactor para reconverter desidroascorbato a ascorbato, ribonucleótidos
a desoxiribonucleótidos e ligações do tipo -S-S-
a -SH (Figura 6.) . Após a oxidação de GSH a GSSG,
a reciclagem de GSSG a GSH é acompanhada principalmente pela enzima
glutationa redutase que usa como fonte de electrões a coenzima
NADPH. Logo, esta coenzima é a principal fonte do poder redutor
de GSH (Figura 6.) [5.].
Ver questão “Como actua a Glutationa na biotransformação
de xenobióticos?”
Actua na Reparação de proteínas
Grupos tióis são essenciais para o funcionamento de numerosas
proteínas, como aquelas que funcionam como receptores, enzimas
e proteínas do citoesqueleto. A oxidação de grupos
tiol (Prot-SHs) proteicos a grupos dissulfídicos (Prot-SS ou Prot1-SS-Prot2),
a conjugados proteicos com a glutationa oxidada (Prot-SSG) e a conjugados
proteicos com ácidos sulfénicos (Prot-SOH), tal como a oxidação
do grupo metionina de proteínas a metionina sulfóxido (Prot-Met=O)
são todas reacções que podem ser reversíveis
por redução enzimática. Os redutores endógenos
são a tiorredoxina (TR-[SH]2) e a glutarredoxina (GRO-[SH]2), proteínas
ubíquas com duas cisteínas redox activas nos seus locais
activos. Prot-SS, Prot1-SS-Prot2, Prot-SOH e Prot-Met=O são reduzidos
pela tiorredoxina, enquanto que Prot-SSG é reduzida pela glutarredoxina.
Devido à acção redutora da tiorredoxina e da glutarredoxina
originar a forma oxidada do grupo tiol catalítico, é necessário
que ocorra a reciclagem da forma reduzida destas proteínas para
elas voltarem a exercer acção redutora. Esta redução
ocorre por acção do NADPH gerado na via das pentose fosfato
por acção da glucose-6-fosfato-desidrogenase e da 6-fosfogluconato-desidrogenase
(Figura 7.) [10.; pág. 65].
Figura 7 Reparação de proteínas oxidadas a nível
do grupo tiol
Assim, GSH é o principal modulador intracelular de grupos sulfidrilo
(-SH) nas proteínas. As reacções redox são
intrínsecas aos processos biológicos: muitas enzimas (como
adenilato ciclase, glucose-6-fosfato, piruvato cinase, Ca-ATPases e as
que participam no metabolismo da glucose) são reguladas pelo balanço
redox largamente definido como balanço de 2-SH <-> -S-S-.
Proteínas, como a tubulina dos microtúbulos, as metalotioneínas
e outras, possuem grupos –SH nos seus locais activos ou junto a
eles. Outras que não possuam estes grupos são também
reguladas pelo estado redox do ambiente que as rodeia [5.].->
A razão GSH/GSSG é tanto mais elevada no ambiente celular
quanto maior for o fluxo oxidativo (por exemplo, esta razão é
muito superior na mitocôndria que no retículo endoplasmático
uma vez que a síntese proteica não implica um grande fluxo
oxidativo) [5.].
Apresenta um importante papel na reparação lipídica
A reparação de lípidos que sofrem peroxidação
realiza-se por um processo complexo que ocorre por acção
de uma série de agentes redutores e pelas enzimas glutationa peroxidase
e glutationa redutase (Figura 8.). Radicais peroxilo de fosfolípidos
(PL-OO•) formados na peroxidação lipídica ligam-se
a um hidrogénio proveniente de ?-tocoferol (TOC-OH) originando
um hidroperóxido de fosfolípido (PL-OOH). O ácido
gordo, que transporta o grupo hidroperóxido deste fosfolípido,
é eliminado por hidrólise catalisada pela enzima fosfolipase
(PLase), originando um hidroperóxido de ácido gordo (FA-OOH)
e um lisofosfolípido (LPL). O FA-OOH é reduzido a um ácido
gordo hidroxilado pela glutationa peroxidase (GPX), a partir da glutationa
(GSH) e o LPL sofre uma nova acilação por parte de uma acil-coenzima
A transferase (LFTF) originando um fosfolípido (PL).
Figura 8 Reparação de peróxidos lipídicosl
A regeneração do -tocoferol
(TOC-OH) ocorre por acção do ácido ascórbico
(HO-ASC-OH). Por sua vez, a regeneração do ácido
ascórbico ocorre a partir do ácido desidroascórbico
(O=ASC=O) por acção da glutarredoxina (GRO-[SH]2). Neste
último processo, a glutarredoxina é oxidada ficando na forma
de GRO-SS e a regeneração da sua forma reduzida ocorre por
acção redutora da GSH, formando-se a forma oxidada da glutationa
(GSSG). A glutationa oxidada sofre redução pela glutationa
redutase (GR-[SH]2) , cuja forma oxidada (GR-SS) é reduzida pelo
NADPH, o último agente redutor. Na figura, as abreviaturas TOC-O•
e •O-ASC-OH correspondem, respectivamente, ao radical tocoferoxil
e ao radical ascorbil [10., pág.65-66].
Apresenta um importante papel no transporte e no armazenamento
As enzimas GST ligam-se, armazenam e/ou transportam um grande número
de compostos que não são substratos para a conjugação
com a glutationa. Estas proteínas citoplasmáticas, designadas
por ligandinas, são responsáveis pela ligação
a grupos heme, à bilirrubina, a esteroides, azo-dióis, e
hidrocarbonetos aromáticos policiclicos [10., pág. 213].
Exemplos de agentes exógenos aos quais se ligam as ligandinas são
os antibióticos penicilina e tetraciclina [11., pág.101].
É, deste modo, evidente que a glutationa é importante na
proteção do espectro total de biomoléculas, ajudando
na regulação das suas funções, facilitando
a sobrevivência e garantindo a óptima performance da célula
como uma unidade viva.
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