quarta-feira, 23 de junho de 2010

Projeto Genoma faz 10 anos e perguntas se multiplicam (Danuza Peixoto)

São Paulo - No próximo sábado, 26 de junho, completam-se dez anos desde que foi revelada ao mundo a ordem correta das substâncias bioquímicas que compõem o código genético humano. O balanço desse período é marcado por incertezas, exageros, frustrações e esperança. "Foi uma descoberta fantástica. No entanto, criou muito mais perguntas do que respostas", disse o médico geneticista Salmo Raskin, presidente da Sociedade Brasileira de Genética Médica, em entrevista à Agência Estado.

A ordem da sequência das três bilhões de A, T, C e G - adenina, timina, citosina e guanina - foi anunciada após dez anos de trabalho de uma colaboração científica internacional coordenada pela Organização do Genoma Humano (Hugo, na sigla em inglês), da qual faz parte o especialista brasileiro.

Para Raskin, houve um avanço significativo no conhecimento em relação às cerca de sete mil doenças genéticas que isoladamente são raras e causadas pela alteração em um único gene. "Com certeza, essas doenças tiveram um avanço maior nos últimos dez anos do que em toda a história, tanto na compreensão delas como no diagnóstico e também no tratamento."

Por outro lado, segundo o médico, pouco se sabe sobre as doenças mais comuns que afetam o ser humano, como obesidade, hipertensão arterial, diabete e câncer. Isso porque elas apresentam um componente tanto genético - que podem ser alterações em vários genes ao mesmo tempo - quanto ambiental, como cultivar hábitos ruins de vida, entre eles o sedentarismo e a alimentação inadequada. "Se você tem predisposição genética a ter diabetes, não se exercita e se alimenta mal, então você vai ter a diabetes."

O geneticista afirmou que hoje, após dez anos de estudos, não se sabe nem quanto da causa de uma doença comum é genética nem quantos genes estão envolvidos. "Os próprios cientistas ainda desconhecem o significado de boa parte das sequências que descobriram." Raskin disse ainda que há uma teoria que questiona se o componente genético dessas doenças está só no DNA.

"Depois do sequenciamento das três bilhões de letrinhas, tudo se baseou na comparação das letrinhas de pessoas normais com a de pessoas que têm a doença. Mas e se o problema não estiver na sequência das letras e sim em outras etapas da produção da proteína? Aí nós simplesmente estamos olhando no lugar errado. Essa é a maior frustração que se tem até o momento", afirmou.

Tratamentos

Uma outra dificuldade que se tem atualmente é a de preencher a lacuna entre a pesquisa genética e sua aplicação prática. De acordo com Regina Célia Mingroni Netto, doutora do Departamento de Genética e Biologia Evolutiva do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), isso ocorre porque "o mecanismo de origem das doenças, na maioria das vezes, se revela bem mais complicado" do que se supunha. "A gente descobre que uma mesma doença pode ter várias causas."

Raskin lembrou que a maioria das doenças genéticas são raras e, portanto, não há interesse de se investir no tratamento de doenças que afetam uma a cada cem mil pessoas. "A indústria farmacêutica talvez não tenha interesse em fabricar dez aspirinas diferentes, para o genoma de cada indivíduo. É mais fácil e barato fazer uma aspirina para o mundo inteiro."

O geneticista disse que há um certo temor na sociedade em relação aos avanços nesse campo de pesquisas em meio a questões éticas, filosóficas e até religiosas. Ele cita, como exemplo, o caso uma gestante que decide saber se o feto herdou o erro genético que fará com que a criança desenvolva demência por volta dos 50 anos. "Será que ela quer mesmo saber isso? E depois, ela vai interromper a gestação se o erro foi herdado? E quantas pessoas viveram 50 anos e deram contribuições grandiosas à humanidade?" Raskin reforça que é apenas um exemplo e lembra que interromper uma gestação por má formação do feto é proibido no Brasil.

Regina Mingroni afirmou que sente a sociedade receber bem as melhorias da análise dos genes humanos. Ela disse que as pessoas afetadas por doenças genéticas são ávidas por informações sobre a origem e as causas delas. "As pessoas recebem muito bem quando a gente consegue explicar o que está acontecendo."

Exageros e esperança

Após o anúncio do primeiro rascunho do código genético humano, feito em conjunto por cientistas do Projeto Genoma Humano (público) e pela companhia Celera Genomics (privada), no dia 26 de junho de 2000, na Casa Branca, criou-se uma expectativa exagerada sobre os efeitos em cima dessa descoberta. Por exemplo, era esperada uma revolução com o surgimento de remédios personalizados: medicamentos desenvolvidos com base no genoma de cada pessoa.

No entanto, segundo Raskin, apenas três medicamentos foram aprovados pela Food and Drug Administration (FDA), o órgão que controla alimentos e remédios nos Estados Unidos. "Tudo aconteceu em uma escala menor do que se previa", disse.

Para Regina, culpa desse exagero é em parte da imprensa, que, de acordo com ela, acentuou os efeitos benéficos de curto prazo. Ela também responsabiliza os próprios cientistas, os quais alardearam possibilidades diversas com o objetivo de atrair investimentos para as pesquisas deles.

Em meio a incertezas, exageros e frustrações, há também esperança: "O potencial do sequenciamento do genoma é enorme ainda. Não é menor do que foi imaginado. Só que não chegamos tecnologicamente lá", afirmou o geneticista.

Brasil

De acordo com Raskin, o Brasil desponta nas pesquisas em genética. O problema, disse ele, é o atendimento, a assistência em genética. "As pessoas e familiares que têm doenças genéticas estão completamente desamparadas no País. E isso por quê? Porque a genética não faz parte do SUS (Sistema Único de Saúde)."

Ele afirmou que a Sociedade Brasileira de Genética Médica tenta há cinco anos e meio convencer o Ministério da Saúde a implantar o serviço de genética no SUS, alegando que a segunda maior causa de mortalidade infantil advém de anomalias congênitas, que são quase todas genéticas. "Em janeiro do ano passado o ministério publicou uma portaria que instituía a Política Nacional de Atenção Integral em Genética Clínica. Só que era necessária a publicação de uma segunda portaria, detalhando como isso seria feito. E até agora isso não aconteceu."

Em nota, o ministério afirmou que mantém um grupo de trabalho para a publicação de uma nova portaria. Alegou ainda que, mesmo sem essa publicação, desenvolve ações para o atendimento de pacientes com doenças genéticas. Como exemplo, citou que as pessoas acometidas pela Doença Celíaca, Fibrose Cística e Doença de Gaucher, possuem atenção integral na rede pública (diagnóstico, tratamento e acompanhamento).

O ministério informou ainda que há no País 241 serviços relacionados à genética clínica - 66 voltados ao atendimento clínico e 175 ao atendimento laboratorial. "Este trabalho é feito por hospitais públicos e hospitais filantrópicos com recursos do SUS." Por fim, disse que são gastos R$ 49 milhões por ano com a atenção em genética clínica na rede pública e chamou a atenção para o baixo número de profissionais especializados, o que, segundo a pasta, dificulta a adoção de política nessa área.

Renan Carreira

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